Percursos

Da Dinamarca à Biblioteca Pública de Braga

Eu e o Niels residimos durante dez meses em Braga. Frequentámos um ano curricular das nossas licenciaturas na Universidade do Minho, no âmbito de um programa de intercâmbio de alunos. Ele estudava na Faculdade de Engenharia de Aarhus, era aluno de Informática; eu cursava Gestão na Universidade de Odense. As duas cidades distam pouco mais de 180 Km, percurso que demora cerca de duas horas de automóvel. Quando o Niels me propôs que passássemos um ano da nossa formação académica em Braga, não hesitei. Além do prestígio internacional da Universidade do Minho e das facilidades proporcionadas pelas parcerias que a instituição celebrara com cada uma das nossas universidades, a possibilidade de estudarmos durante um ano em Braga afigurava-se-me como uma oportunidade irrecusável para estarmos juntos um do outro.

 

Da primeira vez que fomos a Braga tratámos de arrendar um pequeno apartamento mobilado perto da universidade. Antes das aulas começarem, dedicámo-nos a decorá-lo para que ficasse ao nosso gosto. Enchemos as paredes com fotografias da nossa família e amigos, para atenuar um pouco a sua ausência, mesmo que temporária. Foi por essa altura que ficámos a conhecer a palavra “saudade”, que traduz uma emoção genuinamente portuguesa. Só mais tarde passámos a compreendê-la em toda a sua essência, depois de termos concluído o ciclo de estudos em Braga e regressado à Dinamarca.

 

Recordo-me bem do primeiro percurso que fizemos pelo centro da cidade. Estávamos na Central de Camionagem, acabávamos de regressar de uma visita ao polo de Guimarães da universidade. A partir desse dia iniciámos a nossa descoberta de Braga, das suas ruas, do património histórico e arquitetónico, dos cheiros e sons, do comércio e sabores; e das suas gentes, hospitaleiras e genuínas, sempre disponíveis para acolher os outros com simpatia. É o testemunho desse percurso que vos deixo nestas notas breves. Boa estadia.

Karen

 


1. pastelaria Montalegrense

 

A viagem de autocarro de Guimarães para Braga fora breve, sem muitas paragens. Permitiu-nos observar a paisagem minhota, em tons de verde a perder de vista. Depois de sairmos da Central de Camionagem, dirigimo-nos para o centro da cidade, queríamos visitar a Biblioteca Municipal. No começo da descida da Rua dos Chãos, paramos na Pastelaria Montalegrense, seduzidos pela sua esplanada, repleta de jovens da nossa idade em conversas amenas. Pedimos duas natas, que acompanhámos com café expresso. Já tínhamos ouvido falar deste doce português e andávamos ansiosos para prová-lo. No mostruário do balcão divertimo-nos com a criatividade do pasteleiro da casa, principalmente com o Bolo Lingerie, um notável exemplar de “cake design”.


2. a. sousa & barros 

 

A meio da Rua dos Chãos, o Niels entrou na papelaria A. Sousa & Barros, disse que precisava de comprar algum material de suporte ao estudo. Eu fiquei no passeio, à espera dele, a saborear o ar morno da manhã. Pouco depois Niels acercou-se de mim e convenceu-me a entrar na loja, dizendo-me que vira diverso material de pintura que me poderia interessar. A loja estava entupida de clientes que se distribuíam pelos corredores do rés-do-chão e do primeiro andar. Niels comprou blocos de apontamentos, lápis, esferográficas, marcadores, borrachas de apagar, um sem-número de utilidades para os seus exercícios de engenharia; eu comprei pinceis, tintas acrílicas e algumas telas. Se me apetecesse pintar, pensei, já não estaria desprevenida.


3. casa oliva

 

Do outro lado da Rua dos Chãos reparámos na Casa Oliva, uma loja de eletrodomésticos que nos chamou a atenção. Exibia na montra um belo exemplar de uma máquina de costura que deveria ter mais de um século. No primeiro instante entrámos no estabelecimento por mera curiosidade, enlevados pela beleza daquele objeto antigo tão bem conservado, mas depois lembrei-me que poderia comprar uma máquina de café, essencial no pequeno-almoço dinamarquês, o “Morgenmad”. Lá dentro, onde fomos atendidos com simpatia latina, mostraram-nos máquinas de costura antigas provenientes dos quatro cantos do planeta, pertencentes à coleção particular dos proprietários. Estavam todas em excelente estado de conservação, depois de terem sido recuperadas por mãos sábias de colecionador. Além da máquina de café, comprei um micro-ondas e vários utensílios de cozinha.


4. torre de menagem

 

Ao fim da Rua dos Chãos cortámos à direita e avistámos a Torre de Menagem, monumento nacional de estilo gótico que terá sido construído no século XIV por iniciativa do clero bracarense e da coroa portuguesa. A Torre de Menagem é o mais importante elemento remanescente do antigo castelo de Braga, de que hoje restam exíguos testemunhos patrimoniais. Apesar de estar cercada por edifícios mandados construir em séculos posteriores que a apertam como um colete-de-forças, os 30 metros que a moldam em altura ajudam-na a impor-se na malha urbana da cidade. Se fosse possível subir ao piso superior do monumento, obter-se-ia, certamente, uma panorâmica de rara beleza, onde o olhar se perderia pelas encostas dos montes.

 


5. valdemar

 

Percorremos a Rua dos Capelistas até à Praça Conde de Agrolongo. O nosso olhar foi logo cativado pelo belo edifício onde se situa a Valdemar, uma marca de pronto-a-vestir com pergaminhos na cidade que dispõe de vários estabelecimentos comerciais, como mais tarde viemos a saber. O espaço aberto da loja é convidativo, e nesse dia não pude resistir a subir os degraus da imponente escadaria que conduz ao primeiro andar nem a comprar um vestido de malha, de azul-cobalto, que vestia um manequim da montra. A partir desse dia, a Valdemar passou a ser um ponto obrigatório das minhas preferências de vestuário. Até o Niels se tornou cliente para comprar calças e camisas das suas marcas preferidas.  

 


6. Algolinho

 

Ainda na Praça Conde de Agrolongo, entrámos na Algolinho. Precisávamos de comprar roupa de cama e atoalhados para o nosso apartamento arrendado. Por esses dias ainda nem sequer tínhamos almofadas de cama, ou melhor: eu não tinha almofada, porque o Niels trouxe a dele da Dinamarca, nunca se separava dela para dormir. Por vezes dizia-lhe que ele gostava mais da almofada do que de mim. Tratava-se de uma piada já gasta, mas que ainda assim nos fazia rir com prazer. Na Algolinho fomos muito bem atendidos, fizeram até questão de providenciar o transporte das nossas compras sem custos adicionais. Nas semanas seguintes passei várias vezes pela loja para comprar o que faltava no quarto de dormir ou nas casas de banho do nosso apartamento. Fiquei cliente da Algolinho

   


7. PASTELARIA LUXA

 

Na esquina da Praça Conde de Agrolongo entrámos na Pastelaria Luxa. Apetecia-nos tomar uma bebida fresca e almoçar uma refeição ligeira. Há um painel de azulejos numa das paredes do estabelecimento que chama a atenção pela sua beleza. Retrata uma cena de fabrico de pão, onde se vê um padeiro a preparar a massa e outro a introduzir o pão no forno. O painel informa que a casa teve a sua fundação em 1828. Uma funcionária esclareceu-nos que ainda há quem se refira à pastelaria como a “Confeitaria Santo António”, que outrora fora a sua denominação original. Parece que o fundador se vestia com esmero, diziam-lhe que o fazia com luxo, e por essa razão ganhou a alcunha de “Luxa”, nome que se transmitiu à casa comercial. Nesse dia provámos uma variedade de salgados: empadinhas, chamuças, bolinhos de bacalhau e rissóis de leitão, que aconselho vivamente.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

8. AGÊNCIA CARAVELA

 

Cortámos à esquerda pela Rua Eça de Queirós porque nos haviam dito que encontraríamos uma agência de viagens. Interessava-me conhecer a disponibilidade de voos entre Odense e o Porto, porque sabia que a minha mãe pretendia ir a Braga para nos ajudar a por a casa em ordem. À maneira dela, evidentemente. Foi assim que entrámos na Agência de Viagens Caravelas 2000, onde nos prestaram todas as informações que precisávamos, incluindo as facilidades de transporte de Braga para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto. Aproveitámos a simpatia e eficiência com que nos trataram para ficarmos a conhecer melhor alguns locais de Braga que são do interesse de quem a visita, principalmente dos que chegam à cidade para nela residirem durante largos meses, como era o nosso caso.

 

 

 

 

 

 

 

 
 

9. JARDIM DE SANTA BÁRBARA

 

Sentámo-nos um pouco num dos bancos do Jardim de Santa Bárbara, junto à ala medieval do Paço Episcopal. No centro do jardim encontra-se um fontanário do Séc. XVII encimado por uma estátua de Santa Bárbara, que outrora pertenceu ao antigo Convento dos Remédios. Eu já conhecia o jardim antes de ter chegado a Braga, tinha-o visto em postais ilustrados que um colega da faculdade me havia mostrado, e também quando pesquisei imagens da cidade na Internet. Fotografei-o de vários ângulos, pois lembrei-me de estrear as tintas e telas que havia comprado para pintar o colorido irresistível das diferentes espécies de flores que se dispunham pelos canteiros.


10. YDENTIK

 

Em Frente ao Jardim de Santa Bárbara fomos a um bar onde se servem perfumes. O Niels mostrou-se entusiasmado pelo conceito da loja, um espaço semelhante a um bar moderno com uma parede larga forrada a garrafas invertidas, cada uma delas contendo uma fragância específica de onde se podem obter pequenas porções para compor um cocktail de perfume ao gosto do cliente. Quando o Niels soube que a marca podia ser franchisada, disse-me que abriria uma loja em Copenhaga depois de acabar o curso de Engenharia. Eu própria fiquei encantada com os produtos da loja, e por essa razão não resisti a comprar algumas velas perfumadas e ambientadores para o nosso apartamento.

  


11. LARGO DO PAÇO

 

Descemos a Rua do Souto até ao Largo do Paço, antigo Paço Episcopal Bracarense que terá sido construído no séc. XVI. De planta quadrangular e rara beleza arquitetónica, o espaço possui ao centro, defronte da fachada principal, a Fonte dos Castelos, assim denominado pela sua decoração. O chafariz é encimado por uma figura feminina que simboliza a cidade. Fotografei a fonte de todos os ângulos, tal como havia feito ao chafariz que pouco antes vira no Jardim de Santa Bárbara. Lembrei-me que poderia ser interessante fotografar todos os fontanários da cidade.

 


12. IGREJA DA MISERICÓRDIA

 

Continuando o nosso percurso, um pouco aleatoriamente, deparámos com a Igreja da Misericórdia, um templo imponente cuja construção terá sido iniciada em 1560. No portal principal está gravada a data de “1562” que os historiadores atribuem ao ano em que se terminou a fachada. A Igreja sofreu sucessivos melhoramentos e acrescentos ao longo do tempo, que no seu conjunto apresentam duas linguagens muito distintas: a estrutura maneirista de gosto flamengo e o programa decorativo barroco que foi sendo executado ao longo dos séculos XVII e XVIII. Eu e o Niels visitámos o interior do templo demoradamente. Enquanto ele se alongava na observação da estatuária de santos e apóstolos, eu sentei-me nos bancos corridos da nave e fiquei a apreciar os belíssimos painéis de madeira pintada da cobertura e o retábulo de madeira dourada localizado no altar-mor.


13. CÂMARA MUNICIPAL

 

Chegámos à Praça do Município quando o sol começava a declinar, aproximava-se a hora de regressar ao nosso apartamento, depois da primeira incursão pelas ruas da cidade. Num dos extremos da praça situa-se o edifício dos Paços do Concelho; no outro extremo, a Biblioteca Municipal. Quando decidimos visitar o primeiro, fomos surpreendidos por um caval heiro que se dirigiu a nós no nosso idioma porque nos tinha ouvido conversar em dinamarquês. Encontrar um compatriota em Braga tratou-se de uma grande coincidência. Era um diplomata que estava em visita oficial à cidade e fazia-se acompanhar pelo presidente da câmara de Braga, que fez questão de nos apresentar. O presidente deu-nos as boas-vindas e, quando soube que iríamos residir em Braga na qualidade de estudantes, decidiu dar-nos a honra de uma visita guiada aos Paços do Concelho. Explicou-nos que o edifício fora construído no séc. XVIII, no local da antiga praça de touros, e era considerado por muitos especialistas como um dos mais notáveis exemplares da arquitetura barroca na península ibérica.

 

 

 

 

 

 


14. BIBLIOTECA PÚBLICA

 

A Biblioteca Pública de Braga, fundada em 1841 e integrada na Universidade do Minho em 1975, está situada no antigo Paço Episcopal Bracarense, um edifício magnífico de estilo rococó. Possui um valioso património bibliográfico com mais de 400.000 volumes e cerca de 27.000 títulos de publicações periódicas. Como é beneficiária do Depósito Legal, reúne todos os livros e publicações editados em Portugal desde 1931. Sendo uma biblioteca essencialmente erudita, é hoje procurada sobretudo por investigadores, professores e estudantes universitários. Na sala de leitura registei o magnífico teto do séc. XVIII, trazido do Convento de Santiago para acudir à reconstrução do edifício, que sofrera um grande incêndio em 1866. Durante a nossa estadia em Braga, visitei em diversas ocasiões a Biblioteca Pública, onde conseguia encontrar a tranquilidade que por vezes necessitava para os meus estudos.

 

 

 

 

Percurso mapa