Percursos

Da Suíça à Sé de Braga

Vindo do Porto, passei por Braga a caminho de Ponte de Lima, para mais uma etapa dos Caminhos de Santiago. Sou natural de Valais, nascido e criado em Sion, na Suíça. Tenho dois filhos, Adeline e Fernand, ambos universitários na casa dos vinte. Madeleine, a minha mulher, não quis acompanhar-me, preferiu passar férias na nossa casa de campo para acompanhar de perto as vindimas, uma campanha que envolve, nos meses de verão, a contratação temporária de cerca de cinquenta trabalhadores.

 

Chamo-me Jean-Luc, tenho 52 anos, sou arquiteto de profissão. Há muito tempo que planeava trilhar um dos caminhos de Compostela. Gosto de conhecer outros lugares e culturas.

 

Braga surpreendeu-me favoravelmente. É uma bela cidade, possui um património histórico e arquitetónico invejável para a sua dimensão. César Augusto fundou-a há mais de 2.000 anos, disseram-me que o fez por razões de estratégia comercial. Ainda hoje a cidade faz jus a esse impulso original, como tive oportunidade de comprovar. Deixo um apontamento breve dos locais que visitei um pouco ao acaso durante o percurso que fiz pela cidade, lugares que se inscreveram de forma indelével na minha memória.

Jean-Luc

 


1. Franco Oculista

 

Cheguei à Avenida da Liberdade pela manhã, debaixo de um sol morno, depois de um sono reconfortante numa unidade hoteleira às portas da cidade. Tinha de tomar o caminho de Real, seguindo depois por Frossos e Merelim em direção a Prado, de onde seguiria para Ponte de Lima por um percurso de 36 km. Uma das lentes dos meus óculos de sol soltou-se da armação, por isso comecei a subir a avenida na esperança de encontrar uma ótica. Por sorte minha, do lado direito de quem sobe, surgiu-me a Franco Oculista. É um estabelecimento comercial moderno, muito agradável. Fui tão bem atendido que acabei por comprar um par de óculos de sol, afinal os meus já estavam velhos, precisavam de ser substituídos. Perguntei a quem me atendeu que me sugerisse um local para visitar que ficasse ali perto. Sugeriram-me a Fonte do Ídolo. 


2. Fonte do Ídolo 

 

Segui as instruções que me deram para chegar à Fonte do Ídolo, um santuário rupestre consagrado à deusa Nabia que terá sido edificado no século I. O monumento consiste numa imagem de pouco mais de um metro de altura inscrita numa superfície vertical de três metros de largura. A estátua está bastante degradada, o que não permite apurar se se trata de uma figura masculina ou feminina, mas apenas de uma personagem que segura um objeto na mão, talvez uma cornucópia. A Fonte do Ídolo é um importante monumento de Braga e até de Portugal, tanto do ponto de vista patrimonial como científico.


3. Theatro Circo

 

Depois de sair do espaço musealizado da Fonte do Ídolo, continuei a subir a Avenida da Liberdade. A certa altura reparei na beleza do Theatro Circo, à minha esquerda. Não resisti a fotografá-lo. Se a fachada é imponente, o interior deixou-me deslumbrado pelo bom gosto tingido a ouro e púrpura das salas. Durante a visita guiada de que pude usufruir, fiquei a saber que o Theatro Circo se encontrava a comemorar um século de existência, pois fora inaugurado em 21 de Abril de 1915. Lamentei ter de seguir o meu plano de chegar nesse dia a Ponte de Lima, senão teria desfrutado da excelente proposta cultural que a belíssima casa de artes e espetáculos oferecia para esse dia.


4. Igreja dos Congregados

 

Subi a Avenida da Liberdade até ao topo, onde se encontra o Posto de Turismo. Na montra do recinto encontrei uma bela fotografia de uma Igreja, que me disseram ser da Igreja dos Congregados, situada a uma centena de metros de distância, caminhando pela Avenida Central. Visitei-a, é um templo barroco de rara beleza, começou a ser erguida no final do século XVII com traça da autoria de André Soares, um importante arquiteto bracarense que mais tarde se tornará uma figura emblemática do rococó europeu. 

 


5. Livraria 100.ª PÁgina

 

A uma vintena de metros da Basílica dos Congregados encontrei uma livraria singular, estabelecida na Casa Rolão, um belo exemplar da arquitetura civil de estilo barroco, desenhada pelo arquiteto André Soares, construído em meados do século XVIII. Na 100ª página comprei um livro sobre Braga em língua francesa. É impressionante a quantidade de livros que se distribui por estantes que crescem até ao teto. O acesso às prateleiras mais altas é conseguido através de uma escada metálica que se apoia na estrutura das estantes. Há livros para todos os gostos: de poesia, ficção, ensaios, arte, literatura infantil, revistas literárias e banda desenhada, entre outros. Tem um pátio encantador onde almocei uma das refeições leves do menu da cafetaria.

 


6. ARCADA

 

Saí da 100ª Página e regressei ao topo da Avenida da Liberdade pelos jardins da Avenida Central, onde me entretive com um divertido ritual da praxe protagonizada pelos caloiros da Universidade do Minho. Chegado ao chafariz, de onde regurgitavam grossos fios de água que ao cair no tanque expeliam uma chuvada miudinha que se abatia sobre os passantes, fiquei a observar a Arcada, na Praça da República, por trás do fontanário, e não resisti a tirar uma série de fotografias para memória futura.

 


7. ARMAZÉM DOS TERCEIROS

 

O sol encanecia, a temperatura elevada do estio fazia-se sentir no meu corpo e comecei a caminhar pela sombra, encostado aos estabelecimentos comerciais da Rua dos Capelistas. Em frente do Armazém dos Terceiros decorria uma passagem de modelos, organizada pela Associação Comercial de Braga, com as propostas de Outono/Inverno daquele estabelecimento. Entrei na loja, abençoado pelo ar condicionado, e comprei um lenço para o pescoço e um polo fresco de cor azul. Não pude deixar de reparar na excelente qualidade-preço dos produtos expostos nos dois pisos do Armazém dos Terceiros.


8. BEST OF LIVING

 

Continuei pela Rua dos Capelistas, mas parei na montra do Best Of Living, uma loja de decoração com uma oferta moderna e original de produtos para o lar. Lembrei-me da minha mulher, da remodelação que ela estava a fazer em casa, e por isso entrei no estabelecimento. Fiquei seduzido com o que vi. Peguei no telemóvel, entrei na net, digitei o endereço do I SHOP Braga e encomendei uma bela peça em cerâmica que representa um par de jovens a dançar, agarrados um ao outro, o que me fez lembrar o dia em que a conheci a minha mulher num baile na Universidade. Sei que ela vai gostar da surpresa.

  


9. ARTE SACRA MÁRIO PEREIRA


Continuei a caminhar, atravessei a Praça Conde de Agrolongo, ampla e solarenga, e meti pela Rua dos Biscainhos. Parei na montra da loja Arte Sacra Mário Pereira, de onde sobressaía um Cristo em talha que me chamou a atenção. Braga é rica na oferta de produtos religiosos. O burgo é apelidado de cidade dos Arcebispos, tal foi a importância de alguns deles na região e no país, inclusivamente para a fundação da nacionalidade, há mais de novecentos anos. A loja Arte Sacra Mário Pereira está especializada em arte sacra católica, possui belas peças de materiais diversos para adornar o lar ou simplesmente para servirem de objetos de coleção.


10. MUSEU DOS BISCAINHOS

 

Em frente à loja de Arte Sacra situa-se o Palácio dos Biscainhos, transformado em museu do mesmo nome em 1978 que pertenceu a uma família nobre portuguesa, os condes de Bertiandos. Visitei o belo jardim do palácio e a exposição permanente constituída pelo seu recheio, com obras de pintura, azulejaria, cerâmica, vidro, mobiliário, têxteis, escultura em talha, gravura e ourivesaria compreendidas entre o século XVII e o primeiro quartel do século XIX.

  


11. TÍBIAS DE BRAGA

 

Depois da visita ao Museu dos Biscainhos, sentei-me na esplanada da pastelaria Tíbias de Braga, decorada com três belas oliveiras que eu sentia que reverdeciam à medida que me refrescava à sombra do guarda-sol. Provei uma tíbia com creme de avelã, deliciosa, disseram-me que fora confecionada segundo um receituário artesanal, com o creme cozido ao lume. O expositor de doces que integra o balcão, no interior da pastelaria, é uma tentação para o palato, tal é o conjunto de iguarias que apresenta.


12. MUSEU DA IMAGEM

 

Depois do doce, saboreado como um aperitivo para o almoço, visitei o Museu da Imagem, mesmo ao lado do Arco da Porta Nova, um espaço cultural dedicado exclusivamente à fotografia. Como sou amante da arte, demorei-me a apreciar uma mostra do Arquivo do Museu, com belas fotografias de família, talvez dos finais do século XIX ou do início do século XX, e uma exposição de fotografia contemporânea, de rara beleza plástica, assinada por uma jovem autora francesa.

 


13. ARCO DA PORTA NOVA

 

O Arco da Porta Nova era uma das portas da antiga muralha da cidade, mandada abrir pelo Arcebispo D. Diogo de Sousa em 1512, e que a manteve assim, sem portada de madeira, porque o tempo não era de guerras e a cidade ia-se expandindo para lá das muralhas. Descobri que os portugueses usam a expressão “És de Braga?” quando alguém se esquece de fechar uma porta, uma história deliciosa que me fez sorrir com agrado.

 


14. DONA PETISCA

 

Caminhei pela Avenida São Miguel O Anjo, na continuidade da Rua dos Biscainhos, e cortei à esquerda pela Rua Dom Paio Mendes, pois tencionava visitar a famosa Sé de Braga. Fiquei impressionado com a vista exterior a catedral. Decidi sentar-me na esplanada da Dona Petisca, um espaço dedicado à venda e degustação de produtos de denominação de origem protegida (DOP) e vinhos com denominação de origem controlada (DOC). Pedi uma tábua de queijos e enchidos, todos excelentes, que acompanhei com vinho branco duriense. Deixei-me ficar por lá durante cerca de uma hora, enquanto saboreava os petiscos e o vinho e antecipava a visita à Catedral.

 


15. SÉ DE BRAGA

 

Depois de ter tratado do estômago, procurei alimentar o espírito visitando a catedral que se erguia diante dos meus olhos. Com duas torres na fachada, o que a aproxima das grandes catedrais do românico português, terá começado a ser construída no terceiro quartel do século XI. Ao longo do tempo, foi sofrendo várias alterações, algumas pequenas, outras de importância significativa. Apreciei, sobretudo, o cadeiral e os órgãos do coro alto, obras excecionais de talha dourada, bem como o fresco intitulado pelos Esponsais da Virgem. As caixas dos dois órgãos são constituídas por uma magnífica profusão de elementos, como figuras esculturadas, sátiros e golfinhos. Demorei-me quase duas horas na catedral, o que me fez adiar para o dia seguinte a ida pelos Caminhos de Santiago. Talvez vá à noite ao Theatro Circo.

 

 

Percurso mapa